domingo, 8 de janeiro de 2012

Desenvolvimento Minado

Artigo de  Rodrigo Gonçalves

Publicado no site Comuna.net

«Precisamos de chamar a sociedade civil e dar-lhe voz. Ouvi-la não pelo formalismo de a colocar na oportunidade de se exprimir, mas atender realmente àquilo que ela diz.» dixit Pedro Passos Coelho no lançamento da iniciativa Mais Sociedade, que tinha como pretensão enaltecer a chamada «sociedade civil». Ora isto é a teoria. Vejamos a prática.

Em Rio Maior existe uma associação cívica, denominada EICEL, cujo o principal objetivo é recuperar o património e reabilitar a memória mineira aos quais não se tem dado a devida importância.

Breve contextualização da importância da mina de carvão.

Embora já conhecidos desde finais do século XIX, os afloramentos de carvão no concelho só começam a suscitar interesse durante a I Guerra Mundial, devido sobretudo à subida dos preços dos combustíveis causada pelo conflito. Depois de algumas disputas locais, é criada em 1920 a Empresa Industrial, Carbonífera e Eletrotécnica, Limitada (EICEL) com o objetivo de explorar e transformar a lignite (carvão fóssil onde se reconhece ainda restos de vegetais ), mas também de produzir energia elétrica em centrais térmicas. Tendo obtido a concessão de dois coutos mineiros – Quinta da Várzea e Espadanal – é sobretudo nesta última que se vai concentrar a lavra mineira. Face à dificuldade de importação de carvão estrangeiro, o Estado Novo decide investir na produção nacional de combustíveis fósseis, dando assim o impulso decisivo à atividade mineira no Espadanal, o que iria transformar irreversivelmente a sociedade riomaiorense. De facto, a lavra trouxe à então vila cerca de 1500 pessoas, operários e respetivas famílias, oriundos de norte a sul do país o que representou um acréscimo de 25% na população da freguesia em apenas dois anos. O contacto entre dois realidades distintas – a operária vinda de fora e a riomaiorense - com mentalidades e vivências diferentes nem sempre foi fácil; contudo foi no plano das condições básicas de vida (saúde, alojamento e educação) que existiram mais problemas, não conseguindo as estruturas locais acompanhar a evolução populacional. A situação acabou por ser resolvida pela entidade empregadora com a criação de vários equipamentos sociais (posto médico, escola, centro de assistência infantil, bairros). Apesar da fraca qualidade de vida no inicio, a comunidade operária desde cedo desenvolveu uma rica atividade cultural, associativa e desportiva. Sendo este último aspeto merecedor de maior destaque: de facto, foi neste contexto que a atividade desportiva teve o seu “pontapé de saída” em Rio Maior, com a fundação do Clube de Futebol Os Mineiros que dispunha de um dos melhores campos de jogo do distrito (com o seu piso em... cinzas de carvão).

No entanto com o fim do conflito internacional, retomou-se a importação a bom preço de carvão e petróleo; foi então decidido construir uma fábrica de briquetes (aglomerados de lignite prensada) para rentabilizar os avultados investimentos realizados. Com linhas eminentemente modernas, a monumentalidade da fábrica e da chaminé anexa (curiosamente alinhada com a antiga Avenida Salazar) foi testemunha tanto do período áureo como da decadência do couto mineiro. Para travar esta decadência, causada pela crescente substituição do carvão pelo petróleo, equacionou-se, de novo, a construção da central termoelétrica. No entanto, e apesar de haver reservas para 10 a 15 anos que seriam exploradas a céu aberto, o projeto da EDP não saiu do papel, ditando o fim da concessão mineira (a fábrica tinha encerrado em 1969, despedindo todos os trabalhadores).

Presente e Futuro

Atualmente, Rio Maior autointitula-se Cidade do Desporto, sendo de facto notável a aposta da autarquia nesta área. Contudo a mesma autarquia esquece-se do que esteve na origem da atividade desportiva local: a mina. Ora era de esperar que algo que tanta influência teve para toda uma comunidade fosse valorizado, transformando-o em núcleo museológico evocativo do passado, tornando-se assim um dos ex-libris do concelho. Tal como o é o castelo em Óbidos ou o mosteiro em Alcobaça. O que para os outros é uma mais-valia em Rio Maior é desperdiçado como o demonstra o que tem acontecido: transformação do espaço em estaleiro municipal, demolição de uma parte do complexo, venda ilegal de partes do arquivo. Chegando mesmo a ser equacionada a demolição da fábrica pelo anterior executivo (liderado por um professor de história) que julgava que uma simples estátua representando um mineiro e a presença da chaminé incrustada numa grande superfície a construir no local bastariam para evocar mais de cinquenta anos de atividade. Felizmente houve vozes que se insurgiram contra o estado de abandono a que mina tinha sido entregue, surgindo então um movimento associativo que estará na origem da EICEL (a associação que adotou o nome da antiga concessionária) conseguindo demover o executivo das suas intenções. Isto foi antes de 2009. Eleições, nova maioria (PSD+CSD), nova presidência de câmara... ocupada pela antiga presidente de Junta de Freguesia – antiga apoiante do primeiro movimento associativo – e que deu o dito por não dito. O que fez com que tudo voltasse à estaca zero. A associação apresentou um projeto que contemplava a implementação de um centro de estudos do património mineiro enquadrado num projeto mais amplo dedicado ao estudo da geologia local (areias, basaltos de Alcobertas, calcários da Serra dos Candeeiros, salinas), elaborado pelo seu presidente, sem expensas para a câmara. No entanto tal oferta foi recusada utilizando como justificação conceitos antitéticos (“Não toleramos ingerências na propriedade privada da Câmara Municipal”), preferindo o executivo pagar por um projeto muito semelhante. E Quando questionada acerca do motivo que a levou a chumbar um pedido de classificação do complexo mineiro como património de interesse municipal advogou que tal decisão punha em causa os interesses privados dos proprietários dos terrenos contíguos.

Aqui podemos ver que afinal o PSD é como o eucalipto que impede que algo cresce em seu redor (nem o CDS pia). E como o eucalipto, mantém-se impune e vai se reforçando com o tempo, até encontrar adversário à altura. No entanto associações cívicas como esta (que se propunha valorizar um património ligado ao trabalho e ao progresso) vão contribuindo para mostrar que a tal “sociedade civil” está viva e que a participação política não se deve resumir a depositar um voto numa urna de quatro em quatro anos. Então mas não era Passos Coelho que apregoava os méritos da sociedade civil? Era. Mas para ele sociedade civil deve ser sinónimo de interesses financeiros; antónimo de uma participação cívica que denuncie a gestão de interesses particulares a que muitas câmaras se dedicaram.

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